Com a proposta de fomentar o compartilhamento de ideias surgiu o TED, organização sem fins lucrativos que organiza conferências para que personalidades tenham a chance de dar a melhor palestra de suas vidas. Detalhe, em até 18 minutos.
Em uma dessas conferências a pauta abordada foi segurança pública. Mais especificamente no TEDxSudeste, no dia 08/05/10, no Rio de Janeiro.
Para falar sobre o assunto, o convidado foi ninguém menos do que Rodrigo Pimentel, Ex-capitão do BOPE – figura que inspirou a criação do personagem Capitão Nascimento -, palestrante motivacional, consultor, autor dos Best-Sellers Elite da Tropa e Elite da Tropa II e também sociólogo.
Neste artigo você confere todo o conteúdo da palestra de segurança de Rodrigo Pimentel e entende qual o papel da sociedade na redução de homicídios no Rio de Janeiro, segundo o ex-capitão.
A primeira prisão feita por Rodrigo Pimentel
Ao se formar, no ano de 1991, Pimentel foi designado para o comando de uma companhia de polícia no município de Resende, próximo a Visconde de Mauá, no Rio de Janeiro. Com apenas 21 anos de idade, o agente recém formado mal podia esperar para realizar a sua primeira prisão – um marco na carreira de todo policial – e estava motivado para fazer isso acontecer o mais rápido possível.
O personagem havia sido escolhido, Velho do Rio – maior traficante de maconha do Mauá naquela época – no auge dos seus 65 anos. Para tornar a prisão possível, Pimentel visitou o local onde o traficante costumava usar como ponto de venda. Disfarçado, o policial tentou se passar por consumidor da droga, mas foi só na quarta visita que realmente convenceu o velho a fornecer-lhe uma quantia do “produto”.
Ao chegar com a viatura, na época um fusquinha, na delegacia, Pimentel ouviu que essa prisão ia acabar se tornando um problema. O que foi repetido novamente para o policial dias depois, dessa vez pelo juiz e promotora presentes no julgamento do Velho do Rio “Tá maluco? Olha o que você fez. Será que precisava prender ele mesmo?”.
O contexto do ano em 1991
Na década em que Rodrigo Pimentel assumiu em Resende, o contexto era de guerra às drogas. Naquela época o Plano Colômbia – acordo bilateral entre os governos da Colômbia e dos Estados Unidos com o objetivo de combater o narcotráfico – estava sendo desenhado.
Como não podia ser diferente, essa urgência pelo enfraquecimento do tráfico também foi reproduzida no Rio de Janeiro, tanto no interior como na capital. E na capital o cenário era de guerra – mas uma guerra particular.
Uma verdadeira guerra particular
No documentário “Notícias de uma Guerra Particular”, produzido pelo cineasta João Moreira Salles e pela produtora Kátia Lund, é possível entender o conceito de uma guerra particular. De um lado, polícia, do outro, traficante e no meio de tudo isso uma população que não se sente segura. Com medo de sair de casa.
Sobre isso, Rodrigo Pimentel revela que tinha o costume de conversar com o seu pai sobre os resultados diários da operação. Número de mortes, fuzis apreendidos e esse tipo de coisa.
No início, as notícias eram recebidas com o mínimo de atenção. Mas em um determinado dia, a resposta foi “Filho, não me conta mais essas histórias. O que você está fazendo não me interessa. Eu continuo sendo assaltado quando caminho pelas ruas”.
Ou seja, seu pai, morador de Copacabana, zona sul da cidade, não estava se sentindo seguro. Imagine qual era o sentimento de quem vivia na favela, em meio ao pânico, medo e bala perdida.
Visita do Papa e a “Operação limpeza”
Quem já assistiu ao filme Tropa de Elite deve se lembrar da “operação limpeza”, implementada para viabilizar a estadia do pontífice na casa do cardeal-arcebispo, perto do Morro do Turano, pacificando a região.
A missão durou, ao todo, seis meses e envolveu dezenas de mortos e muita bala perdida, além de ter provocado medo e ódio nos moradores do local. No entanto, passado o período de turbulência, a favela ficou realmente enfraquecida – não haviam mais armas ou chefes de morro.
O BOPE viu que manter a favela ocupada poderia ser uma boa ideia para prolongar a segurança e manter o controle da situação. Mas exatamente no dia em que o Papa deixou a comunidade, a Secretaria de Segurança Pública determinou que o batalhão também se retirasse pois a missão já havia sido cumprida.
O Rio de Janeiro é violento?
Quem não vive na cidade se pergunta e quem vive sabe a resposta. O Rio de Janeiro é violento afinal? A forma mais assertiva de se medir a violência em determinada cidade ou Estado é pelo número de homicídios a cada 100 mil habitantes/ ano. E é dessa forma que Rodrigo Pimentel aborda os índices das duas principais cidades do Brasil – Rio de Janeiro e São Paulo.
- São Paulo 11,2 a cada 100 mil habitantes/ ano;
- Rio de Janeiro 32,6 a cada 100 mil habitantes/ ano.
Sim, o Rio de Janeiro é quase três vezes mais violento que São Paulo.
Em 2017, o número subiu para 36,7 mortes violentas por 100 mil habitantes no Rio de Janeiro, de acordo com reportagem publicada pelo site O Globo. Já em São Paulo, o índice caiu para 10,9 conforme publicado no G1 em 05/06/2018.
Causas da violência
E ao falar de violência é muito comum tentar desvendar as causas. No entanto, três das mais citadas são bem controversas, como explica Rodrigo Pimentel:
Pobreza é causa de violência?
O Piauí é um dos estados mais pobres do Brasil e, em contrapartida, é um dos menos violentos.
Desigualdade social é causa de violência?
Os bairros mais desiguais do Rio de Janeiro não estão entre os mais violentos – Leblon e São Conrado.
Desemprego é causa de violência?
Apesar de ser um lugar violento, o Rio de Janeiro é a cidade com maior oferta de emprego formal no país. Ainda, no período em que o mercado de trabalho está mais aquecido, entre dezembro, janeiro e fevereiro, a violência também aumenta.
Tráfico de drogas é causa de violência?
Onde menos se apreende maconha e cocaína, maior a taxa de homicídio do Rio de Janeiro – Zona Oeste, subúrbio de Campo Grande.
Ou seja, apesar de sim, essas causas todas juntas serem responsáveis por potencializar a violência, focar nelas unicamente não leva ninguém a lugar algum.
Dominação territorial para exercício de atividade econômica ilícita
Números revelam que uma das maiores causas de homicídio no Rio de Janeiro é a disputa por território para exploração de atividades econômicas ilícitas. Alguns exemplos dessas atividades:
- Venda de sinal de TV a cabo;
- Transporte de vans e mototaxi;
- Venda de coco na praia;
- Instalação de máquina de caça níquel;
- Venda de crédito bancário;
No Rio de Janeiro pessoas morrem em disputas por território para venda de coco na praia.
“Por que não aumentar o número de policiais em lugares onde isso acontece?” você pode estar perguntando. Afinal, parece óbvio que quanto mais bem armada e bem equipada a polícia estiver, menor será a violência. No entanto, não é bem assim que funciona.
A política do enfrentamento, ou seja, de criar missões isoladas com o propósito de combater a violência tem sido a escolha dos governantes por pelo menos 20 anos no Rio de Janeiro. Adotar esse posicionamento não tornou a cidade mais segura. No entanto, como foi visto na “operação limpeza” a ocupação, só que de forma permanente, pode ser a resposta.
Ocupação territorial permanente é a solução?
Por mais difícil que seja assumir, o objetivo da ocupação permanente não é acabar com o tráfico de drogas, mas com as mortes causadas por ele. Afinal, ainda que a polícia esteja por todo canto, a compra e venda entorpecentes ilícitos não deixa de existir – sempre haverá demanda.
É por esse motivo que a ocupação permanente deve ser uma luta do estado e de toda a sociedade. Pois visa atenuar as consequências para o morador, que conquista mais qualidade de vida e consegue sair na rua sem medo de levar uma bala perdida, e também para a polícia, que toma as rédeas da situação devido à proximidade da comunidade.
O papel da sociedade nisso é a de ser crítica construtiva – apontar erros e enaltecer acertos – e de lutar para combater o risco de descontinuidade, que sinaliza retrocesso. Aqui, como exemplo de um projeto que acabou sendo vítima da descontinuidade é possível citar os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs).
A proposta inicial, além do imenso projeto educacional de Darcy Ribeiro e Leonel Brizola, era oferecer à população uma opção de escola em tempo integral. A estrutura de primeiro mundo foi projetada para 500 CIEPs, consolidou toda a política e, no entanto, dentro de sete meses acabou em nada – a ideia de escola integral não prosseguiu.
Ninguém quer que outro grande projeto seja descontinuado. Por isso, comprem as boas ideias e cobrem a execução. A segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, de acordo com a própria Constituição Federal em seu artigo 144.